CAU/SC chama atenção para necessidade de respeitar os fatores ambientais na construção dos habitats.
Em 2018 Santa Catarina relembra os 10 anos uma das maiores tragédias causada por fatores climáticos de sua história: as inundações e deslizamentos de terra do Vale do Itajaí ocorridos em 2008. Os morros do Vale, não suportaram o volume excepcional de chuvas para aquele final de novembro que tirou a vida de 135 pessoas e deixou outras milhares desabrigadas.
Retratos de um desabamento. Itajaí, 2008. — Foto: Reprodução/Ceped/UFSC.
Segundo o Inmet, o Instituto Nacional de Meteorologia, o volume de água previsto em Blumenau, cidade mais afetada, era de 140 mm e não os 1.002 mm que fizeram com que o Rio Itajaí-Açu transbordasse causando os efeitos devastadores que o Brasil acompanhou à época.
O deslizamento do Morro do Baú, em Ilhota, apresentou outra face trágica deste quadro. Diferentemente dos alagamentos ocorridos na década de 80, quando o principal problema do excesso de chuvas era o transbordamento dos rios, em 2008 um fenômeno diferente se apresentou. A ocupação desordenada das áreas de encosta dos morros, com o acúmulo de água, não resistiu e veio abaixo em diversos pontos do Vale, gerando perdas humanas e materiais.
Expansão desordenada das moradias no Vale do Itajaí
A expansão das construções sem nenhum planejamento é uma triste realidade no Brasil: um levantamento inédito realizado CAU/BR em parceria com o Instituto Datafolha apontou que cerca de 85,40% dos brasileiros que construíram ou reformaram suas residências fizeram o serviço por conta própria ou com pedreiros e mestres de obras, amigos e parentes. Apenas 14,60% contratou arquitetos ou engenheiros.
O resultado desse estudo corrobora com a percepção da Profa. Dra. Claudia Siebert, Arquiteta e Urbanista, mestre e doutora em Geografia e Professora aposentada do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Regional de Blumenau, “Nossas cidades se desenvolveram, historicamente, em permanente conflito com o meio natural: cortes de morros, desmatamentos, canalização e retificação de rios, aterros de áreas inundáveis. Os desastres ditos naturais são, na verdade, socialmente construídos. No caso do Vale do Itajaí, a chuva intensa de 2008 foi apenas o gatilho, o catalizador de uma bomba relógio que estava armada devido à ocupação irregular das áreas de risco de enchente e de deslizamento. Em um cenário global de mudanças climáticas que tornam os eventos climáticos extremos cada vez mais intensos e frequentes, nossas cidades podem se transformar em verdadeiras armadilhas com imenso potencial para desastres se não soubermos construí-las respeitando o meio natural, isto é, preservando as encostas e as margens dos cursos d'água”, explica.
Perdas humanas e materiais
Em Itajaí, cidade que abriga um dos portos mais importantes do Brasil, o ponto de encontro do rio com o mar, a maré alta em conjunto com o acúmulo de água de toda a bacia hidrográfica fez com que mais 80% do território do município ficasse debaixo d’água em 2008. O porto da cidade, principal meio de escoamento da produção industrial e agrícola do estado ficou inativo por diversos dias, um enorme prejuízo financeiro para economia do estado.
Rua Amazonas completamente alagada. Blumenau em novembro de 2018. — Foto: reprodução.
Outras cidades como Joinville, Indaial e parte de Florianópolis também registraram perdas humanas e materiais.
A pergunta que fica é: será que os resultados da catástrofe foram unicamente climáticos? Certamente não, conforme esclarece Claudia Siebert “O setor imobiliário formal tende a seguir os planos diretores em seus empreendimentos. Já a autoconstrução, o mercado imobiliário informal, ocupa as áreas mais desvalorizadas, que são as áreas de risco de enchente e de deslizamento, e não respeita as áreas de preservação permanente previstas na legislação ambiental e urbanística. Além disto, esta ocupação das áreas de risco é feita sem orientação técnica, com problemas estruturais e de drenagem. A ocupação das áreas de risco, por sua vez, se dá por falta de alternativas habitacionais seguras e de baixo custo para a população de baixa renda. A retenção especulativa da terra, descumprindo a função social da propriedade preconizada pelo Estatuto da Cidade, e a falta de uma política habitacional consistente estão na raiz dos desastres”.
Reflexões sobre uma tragédia
Nesse momento de reflexão sobre os 10 anos dos deslizamentos e alagamentos nas cidades, o CAU/SC convoca toda sociedade para uma reflexão: o que aprendemos com 2008?
Para Daniela Sarmento, Presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Santa Catarina (CAU/SC) o setor imobiliário precisa estar alinhado com as diretrizes ambientais que garantem a maior segurança do solo e auxiliam na prevenção de tragédias como a do Vale do Itajaí em 2008, “A resiliência urbana nos traz um aprendizado constante de que é preciso incorporar de forma estratégica as questões ambientais no planejamento urbano de nossas cidades. Somente assim poderemos promover de fato o desenvolvimento humano, econômico e territorial de forma integrada, sustentável e mais segura para a população”.
Blumenau 1911: alagamentos históricos devido à cheia do rio que corta a cidade. Desabamentos recentes causados pela expansão imobiliária. — Foto: reprodução/acervo Furb – Acervo Claudia Siebert
Para a professora Claudia, em um cenário ideal, a sociedade precisaria passar por um processo de reeducação que inclui o respeito pelo meio ambiente no que tange a expansão das habitações. “Teríamos que aprender com os desastres, aproveitar suas lições como impulsionadoras de transformações sociais e urbanísticas. Hoje já conseguimos atingir um patamar de resiliência reativa, pois conseguimos, com a experiência e os investimentos na defesa civil, nos recuperar rapidamente dos desastres. Mas precisamos ainda avançar para a resiliência evolutiva, que não aceita a convivência com o risco e não reconstrói em áreas perigosas. Precisamos entender que medidas estruturais como barragens não são suficientes para evitar desastres como o de 2008, que conjugou enchente com deslizamentos. Precisamos de recuperação florestal nas encostas e nas margens dos cursos d'água, tanto nas áreas rurais quanto nas áreas urbanas, para reter os grandes volumes de chuva cada vez mais frequentes. Precisamos de infraestrutura azul e verde nas cidades, com ruas e passeios permeáveis, captação, retenção e retardamento da água da chuva, arborização urbana, telhados verdes, jardins verticais e sistemas de parques públicos. E, é claro, habitação social em conjuntos de pequena escala, localizados em áreas seguras e já urbanizadas (infraestrutura e serviços sociais). É um mundo ideal possível, não uma utopia inatingível, pois não nos faltam recursos ou tecnologia”.
Mais sobre o tema
O Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Gestão de Risco de Desastres da Universidade Regional de Blumenau criou um site em que disponibiliza publicações, artigos e imagens sobre a tragédia do Vale do Itajaí em 2008. https://desastrefurb.wixsite.com/portal/. Se você tem interesse sobre o tema, acesse, leia, estude, participe do processo de pensar a habitação em conformidade com o meio ambiente e segurança para a sociedade.
Reviver o passado é se precaver para o futuro.
Por CAU / SC
Fonte: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/especial-publicitario/cau-sc/conselho-de-arquitetura-e-urbanismo-sc/noticia/2018/12/05/10-anos-da-tragedia-do-vale-do-itajai-o-que-aprendemos.ghtml?utm_source=afiliada&utm_medium=especial_pub&utm_term=chamada&utm_content=cau_sc&utm_campaign=nsc